Gostaria de começar esta história colocando aqui apenas para reflexão o “Manifesto do Remix”, criado por Brett Gaylor, Lawrence Lessig e outros colaboradores e apresentado no filme “RIP: A Remix Manifesto” em 2007.
O manifesto, que fala sobre criação e distribuição de cultura, se sustenta nos seguintes pontos:
1. A cultura sempre se constrói do passado;
2. As forças do passado sempre tentam controlar o futuro;
3. Nosso futuro está se tornando menos livre;
4. Para construir sociedades livres, é necessário limitar o controle do passado.
Para os criadores do manifesto, toda a produção cultural se baseia em algo que foi construído previamente, mas os autores, distribuidores e todas as demais forças atuantes na produção cultural tentam controlar o uso das obras atuais como forma de inspiração para obras futuras. Um belo paradoxo.
Um novo conceito
Agora sim, começando a história do começo. Em 1985, Richard Stallman expressa pela primeira vez o conceito de “software livre” e funda a Free Software Foundation, definindo sob quais aspectos um programa de computador poderia ser considerado “livre”. Essa definição pressupõe quatro liberdades básicas (a contagem começa em zero pois a maioria dos sistemas de computadores começam suas contagens em zero):
· Liberdade 0: A liberdade de rodar o programa para qualquer propósito.
· Liberdade 1: A liberdade de estudar como o programa funciona e modificá-lo.
· Liberdade 2: A liberdade de distribuir cópias, pois assim você pode ajudar seu vizinho.
· Liberdade 3: A liberdade de alterar o programa e distribuir suas alterações, pois assim toda a comunidade se beneficia.
Para ilustrar esse conceito, Stallman cria uma frase genial que acaba se tornando muito famosa: “Free software is free as in free speech, not as in free beer”1. Ele mostra assim a diferença entre livre e grátis (ambos representados pela palavra “free” em inglês) e dá a dimensão de que seu trabalho não está ligado apenas a preço, mas a um ideal muito maior. Também cita pela primeira vez o termo copyleft, que passa a representar a idéia de que o autor pode abrir mãos de alguns direitos sobre a obra, em oposição a idéia de copyright, na qual todos os direitos são reservados.
Com isso, ele introduz o conceito. Começam a ser criados os mecanismos que permitem que o mundo dos softwares se torne, ao menos em parte, colaborativo. Em pouco tempo começam a surgir as licenças de software que permitem que o autor comunique aos usuários que tipo de uso deseja liberar para a sua obra. Essa tendência ganha força e em 1991 Linus Torvalds funda o Linux, sistema operacional livre e até hoje um dos maiores exemplos de software livre do mundo.
1 “software livre é como discurso livre, não como cerveja grátis”
Um conceito expandido
No ano de 2004 é lançado o livro Cultura Livre, de Lawrence Lessig. No livro, que tem o provocador subtítulo “como a grande mídia usa a tecnologia e a legislação para trancar a cultura e controlar a liberdade”, o autor expande o conceito de software livre, criado vinte anos antes, para todos os ramos da criação cultural humana.
Lessig é fundador e presidente do Creative Commons (CC), instituição que promove a livre criação, circulação e distribuição da cultura no mundo. O CC cria e mantém licenças que, assim como as de software, permitem aos autores comunicar ao público de que forma pretendem que suas obras sejam utilizadas. Mas, nesse caso, as licenças são abrangentes e pretendem incluir todo tipo de manifestação cultural.
Tendência Mundial
Nos últimos anos os projetos livres, abertos e colaborativos vêm ganhando uma força inimaginável na internet e, consequentemente, no mundo. Existe uma tendência mundial na direção de projetos colaborativos, e a internet é a grande ferramenta que possibilita essa mudança.
A pesquisadora australiana Rachel Botsman criou o Collaborative Lab para estudar especificamente o que chama de “consumo colaborativo”. Ela mostra que a nossa sociedade está mudando de uma sociedade de hiperconsumo para uma de consumo colaborativo e cita quatro fatores fundamentais para esta mudança: uma crença renovada na idéia de comunidade, uma avalanche de novas plataformas de compartilhamento, problemas ambientais mal resolvidos e a crise global que alterou padrões de consumo.
Essas rápidas mudanças na sociedade estão impulsionando iniciativas colaborativas, tais como:
· Zipcar (compartilhamento de carros)
· Wikipédia (enciclopédia aberta)
· CouchSurfing (hospedagem em residências ao redor do mundo)
· World Community Grid (computação filantrópica)
· Swap (trocas de bens)
· Benfeitoria (primeira plataforma gratuita de crowdfunding)
· Doméstica (primeira marca aberta e colaborativa do Brasil)
Conclusões
O ponto para onde todos os especialistas parecem convergir é a noção de que toda essa mudança não vai parar por aqui. Foi um longo processo. Começou há mais de duas décadas em um ramo específico da sociedade e se expandiu conforme apareceram necessidades latentes no contexto global.
Não estamos nem perto do fim dessa tendência e provavelmente nem podemos imaginar a forma como o termo “cultura livre” será visto daqui a, por exemplo, mais duas décadas.
Também é certo que as forças do passado ainda tentam controlar nosso futuro, há barreiras para o amadurecimento dessa idéia e essa evolução natural não será nada fácil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário